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domingo, 17 de julho de 2011

UM SONHO

      
     Nos fundos do terreno do sítio há muitos anos se deu início à construção de uma casa. Não sei a razão: foi ela deixada de lado e outra, a atual, no centro da área foi belamente edificada. Em ruínas permaneceu a primeira, enorme, esquecida, úmida, misteriosa, tal como um fantasma acinzentado. Dela estranhamente ninguém falava, como se não existisse. Apenas eu por lá perambulava algumas vezes, com a intimidade e sintonia de proprietária, cheia de melancolia, este sentimento indefinível, muito próximo à saudade de estar triste.
     Minha casa em ruínas: um de meus sonhos que de diferentes formas me surgem em raras noites há anos a fio. Estou com cinquenta e dois! (ai que falta me faz a trema). Esta noite ela me visitou novamente. Sábado para domingo de chuva. Eu estava cansada por ter dançado duas noites seguidas. Dormi até próximo às duas horas da tarde de um dia cinza. Tomei café e então lembrei em detalhes do sonho, talvez por ainda não tiver agitado a mente com qualquer assunto ou motivo e então, depois de tempos cogitando em escrever sobre algum e sem ter nada a fazer resolvi digitar.
            “Caminhava sob o solo úmido e pedregoso com cuidado, desviando aqui e ali dos pedaços de madeira, ferro e pregos. Nesgas tímidas de sol iluminavam as peças amplas por entre as telhas quebradas e faltantes do telhado inacabado. Susto! Ao subir as escadas um pássaro em vôo rasante risca o ar e logo vejo o João, empilhando tijolos ao fundo do corredor. Havia alguns troncos de árvores e musgos por entre as pilhas. Cumprimenta-me sem se virar:
            - E aí!
            Não lembro o que falamos. Ele largou a tarefa e caminhamos juntos como se tivéssemos que ir a algum lugar e dei-me conta de que estávamos no longo e largo corredor de um hospital. Reclamei por ele andar sumido por tanto tempo, por não ter concluído a casa, por não mais me amar. No sonho eu ainda nutria por ele aquele sentimento antigo, pungente. Éramos jovens. As respostas eram lacônicas e indiferentes. Procurávamos uma sala onde eu deveria ter aulas. Olhei um papel que retirei do bolso da calça e descobri que eu ainda estava na faculdade (Deus! Nunca acaba!). Deitamos na rede de um jardim de inverno. Senti-me aquecida, sonolenta e triste. O pai, sentado em uma cadeira antiga de madeira escura e brilhante, igual a que havia na casa do vô Juca, em Bossoroca, avisou: - As luzes já vão apagar. È melhor vocês irem dormir...
            Fiquei só na rede, me embalando ainda por instantes antes de retornar ao corredor do hospital, ainda buscava “processar” a nossa separação. Antes de procurar o elevador ainda saboreei a sensação do embalo (sempre amei me embalar). Só haviam dois elevadores e outras pessoas o esperavam também. Estávamos no térreo e havia reclamações pela demora. Hum, então eram muitos andares. Olhei em torno e descobri um local sofisticado, ricamente decorado, limpíssimo! Resolvi que não mais iria fazer o curso no dia seguinte pois o horário indicava apenas uma aula na manhã e assim seria difícil o João me dar carona de volta. Quando o elevador chegou fui a última a entrar, o que foi bem complicado. Entrei agachada e meu corpo não obedecia aos meus comandos cerebrais. Estava pesado e sequer consegui decidir qual era o meu andar. Não conseguia me mover a cada parada e lá fiquei até o último piso, sempre agachada. Quando a porta se abriu uma enfermeira me esperava, me estendeu a mão e outra me alcançou aquelas proteções brancas de pano para calçar após retirar os sapados. O local era lindo! Abria-se em forma de cone, todo azul claro, levando, ao fundo, a uma larga faixa de mar translúcido que rodeava uma pequena ilha no centro. Coqueiros balançavam ao vento suave. Lindo! Exclamei maravilhada:  - é Mumbai! (absurdo, mar no deserto). Lembrei que lera em algum lugar notícia sobre a construção de um hospital majestoso, por um grupo poderoso, em que uma faixa de mar fora comprado por bilhões de dólares.
            O formato de cone era em descida. Eu não conseguia caminhar e deslizava aos poucos no piso azul, tentando inutilmente me segurar na parede lateral, também azul. Pensei: que fotos espetaculares eu tiraria aqui! Cheguei rapidamente ao fundo, embasbacada com tanta beleza. Meus olhos não davam conta de tanto azul brilhante. Algumas pessoas se banhavam nuas, quase todas idosas e obesas. Felizes! Percebi então que um vidro enorme me separava da paisagem, protegendo-a de “intrusos” como eu. E uma enfermeira baixinha me alertou: a senhora não pode estar aqui, deixe-me ver o seu passe. Deus! Eu não tinha passe. Apresei-me em defensiva: - Vim ver meu sobrinho nenê que está hospitalizado. Estou substituindo sua mãe! Mas não sei o número do quarto... Ela me interrompeu: - Aqui não é a ala pediátrica! (putz, não sei por que menti, o Jow já tinha 23 anos).  - Dirija-se ao balcão de informações!
            Na sala de espera, refinada, mulheres aguardavam. Sentei-me ao lado da que estava tricotando procurando não chamar atenção, porém meus óculos caíram e todas me olharam em reprovação pelo ruído causado. Eu não sabia o que fazer nem ao certo onde estava ou qual a razão. Lembrei da minha casa em ruínas, dos meus filhos e em vão tentei voltar. Outra vez meu corpo estava pesado, travado, sem obedecer aos meus comandos. Angustia: os músculos estavam em câmara-lenta! Então um estrondo fez tremer o prédio: o vidro protetor do mar rompeu, a água inundava tudo...

            Acordei!”